Ogum foi caçar na floresta. Ele ficou a espreita e viu um búfalo vindo em sua direção, avaliou logo a distância que os separava e preparou-se para abater o animal com sua espada, no entanto viu o búfalo parar, e repentinamente baixar a cabeça e despir-se de sua pele.
Desta pele saiu uma linda mulher. Era Iansã, vestida com elegância, coberta de belos panos, um turbante luxuoso amarrado à cabeça e ornada com colares e braceletes. Iansã enrolou sua pele e seus chifres, fez uma trouxa e escondeu num formigueiro. Partiu, em seguida, num passo leve, em direção ao mercado da cidade, sem desconfiar que estava sendo observada.
Assim que Iansã partiu, Ogum apoderou-se de sua pele de búfalo, foi para casa, guardou-a no celeiro e seguiu também para o mercado. Lá, ele encontrou a bela mulher e cortejou-a. Sua beleza era tal que se um homem a visse, logo a desejaria.
Ogum foi pediu-a em casamento. Iansã apenas sorriu e recusou sem apelo. Ogum insistiu e disse-lhe que a esperaria. Ele não duvidava de que ela aceitasse sua proposta.
Iansã voltou à floresta e não encontrou seus chifres nem sua pele. Ficou pensando sobre o que poderia ter acontecido, quem poderia ter descoberto seu segredo.
Iansã voltou ao mercado, já vazio, e viu Ogum que a esperava. Ela perguntou-lhe o que ele havia feito daquilo que ela deixara no formigueiro. Ogum fingiu inocência e declarou que nada tinha a ver, nem com o formigueiro, nem com o que estava nele. Iansã não se deixou enganar e disse-lhe:
"Eu sei que você escondeu minha pele e meus chifres. Eu sei que você se negará a me revelar onde escondeu. Casarei-me com você e viverei em sua casa. Mas existem certas regras de conduta comigo. Estas regras devem ser respeitadas também pelas pessoas da sua casa. Ninguém poderá me dizer: "Você é um animal!", ninguém poderá utlizar cascas de dendê para fazer fogo, e ninguém poderá rolar um pilão pelo chão da casa".
Ogum respondeu que havia compreendido e levou Iansã. Chegando em casa, Ogum reuniu suas outras mulheres e explicou-lhes como deveriam comportar-se. Ficara claro para todos que ninguém deveria discutir com Iansã ou insultá-la.
A vida organizou-se. Ogum saía para caçar ou cultivar o campo. Iansã, em vão, procurava sua pele e seus chifres. Ela deu à luz a nove crianças. Mas as mulheres viviam enciumadas da beleza de Iansã.
Cada vez mais enciumadas e hostis, elas decidiram desvendar o mistério da origem de Iansã.
Uma delas conseguiu embriagar Ogum com vinho de palma. Ogum não pôde mais controlar suas palavras e revelou o segredo. Contou que Iansã era, na realidade um animal; que sua pele e seus chifres estavam escondidos no celeiro. Ogum recomendou-lhes ainda:
"Sobretudo não procurem vê-los, pois isto as amedrontará. Não lhes digam jamais que é um animal!"
Depois disso, logo que Ogum saía para o campo, as mulheres insultavam Iansã:
"Você é um animal! Você é um animal!!"
Elas cantavam enquanto faziam os trabalhos da casa:
"Coma e beba, pode exibir-se, mas sua pele está no celeiro!"
Um dia, todas as mulheres saíram para o mercado. Iansã aproveitou-se e correu para o celeiro. Abriu a porta e, bem no fundo, sob grandes espigas de milho, encontrou sua pele e seus chifres. Ela os vestiu novamente e se sacudiu com energia. Cada parte do seu corpo retomou exatamente seu lugar dentro da pele. Logo que as mulheres chegaram do mercado, ela saiu bufando. Foi um tremendo massacre, pelo qual passaram todas. Com grandes chifradas Iansã rasgou-lhes a barriga, pisou sobre os corpos e rodou-os no ar. Iansã poupou seus filhos que a seguiam chorando e dizendo:
"Nossa mãe, nossa mãe! É você mesma? Nossa mãe, nossa mãe!! Que você vai fazer? Que será de nós?"
O búfalo os consolou, roçando seu corpo carinhosamente no deles, dizendo-lhes: "Eu vou voltar para a floresta; lá não é um bom lugar para vocês. Mas, vou lhes deixar uma lembrança."
Retirou seus chifres, entregou-lhes e continuou:
"Quando qualquer perigo lhes ameaçar, quando vocês precisarem dos meus conselhos, esfreguem estes chifres um no outro. Em qualquer lugar que vocês estiverem, em qualquer lugar que eu estiver, escutarei suas queixas e virei socorrê-los."
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